Por
Thiago Borges.
Colaboração de Aline Rodrigues.
Fotos: Arquivo Pessoal / Divulgação
Andrew
Ricardo, de 13 anos, ficou mais de um mês em casa jogando e assistindo TV por
conta da pandemia de coronavírus. É a vida que todo adolescente queria? “Mais
ou menos”, diz ele, que estuda o 8º ano na EE Condomínio Carioba, no Jardim
Monte Verde (Grajaú, Extremo Sul de São Paulo). “Foi ruim pra mim e pra minha
família, né?”.
As
aulas de Andrew retornaram no dia 27 de abril – mas agora à distância. Assim
como ele, 3,5 milhões estudantes voltaram às aulas no último mês nas escolas da
rede de ensino do Estado de São Paulo. As aulas acontecem diariamente, em
horários especificados conforme o ano escolar do estudante, por meio do
aplicativo Centro de Mídias SP e dos canais digitais 2.2 – TV Univesp e 2.3 –
TV Educação. “Estudar pela internet é bom”, garante Andrew.
Nas
escolas da Prefeitura de São Paulo, o retorno aconteceu em 13 de abril para 1
milhão de alunos, com atividades mediadas por apostilas de 100 páginas enviadas
pelo correio e na plataforma privada do Google Classroom.
Abaixo,
uma estudante do ensino fundamental explica como é o cadastro para ter as aulas
via internet:
Na prática, nem
sempre funciona como deveria.
“A
escola do meu filho está se comunicando pela página no facebook e ainda não nos
deram informações sobre plataforma on-line ou aplicativo. Por enquanto, estão
passando apenas algumas pequenas atividades em casa”, conta Carolina Barbosa
Bonno, mãe do Victor Bonno da Silva, menino autista de 04 anos que frequenta
uma escola municipal de educação infantil na Vila Bancária, bairro da Freguesia
do Ó (zona Norte de São Paulo)..
Como
Carolina estuda pedagogia e também é formada em fisioterapia, ela própria criou
algumas atividades e conta com ajuda de mais 03 amigas da área. “Ele também
recebe atividades da fonoaudióloga dele. E minha mãe, que é professora de
educação física, desenvolve atividades corporais”, conta.
Nessa
período, Carolina já percebeu o quanto “a educação pública está defasada em
termos de tecnologia, pouco instruída, pouco material e o quanto falha na
comunicação com a comunidade”, em suas próprias palavras. Ela sente
dificuldades em aplicar um ensino que é padronizado e incentiva a memorização de
conteúdos, não o aprendizado em si. “É necessário o mínimo de instrução para se
dar qualquer ensino escolar em casa”.
Primeiramente, comida na mesa
Para
o Coletivo Territorialidades, “as desigualdades ficaram mais evidentes” com a
pandemia, a começar pela fome. O grupo reúne escolas municipais da Diretoria
Regional de Ensino (DRE) do Campo Limpo (zona Sul de São Paulo), além de
gestores, professores, supervisores, artistas periféricos e representantes das
universidades, e aponta que a insegurança alimentar é o principal problema
enfrentando nas comunidades escolares da região.
“Nem
todo mundo nas periferias tem condições de se manter em quarentena. São muitos
os motivos: desde a não dispensa do trabalho, as condições de moradia, a
relação número de cômodos e número de moradores, até a falta de renda para a
compra de comida e itens de higiene, motivadas pelo desemprego, pela demissão
em plena crise sanitária, à falta de água e tratamento de esgoto etc”
Coletivo
Territorialidades, em nota enviada à reportagem
Enquanto
a Prefeitura enviou cartões alimentação para famílias mais pobres, sem ter as
escolas participando do processo, diversos colégios na DRE do Campo Limpo se
mobilizaram junto a associações de moradores, organizações e coletivos para
mapear e distribuir cestas básicas. O mesmo acontece em outras periferias.
“Será
que todos estão se alimentando bem? As famílias que vivem em ocupações estão
recebendo materiais de higiene pessoal para se proteger do vírus? E as famílias
chefiadas por avós e avôs? Quem enfrentará o vírus nas ruas? É muito triste”,
questiona e lamenta Claudemir Mazzuchelli, que é professor de ensino
fundamental para mais de 350 alunos na EE Giulio David Leone e na EMEF
Constelação do Índio, ambas no Extremo Sul de São Paulo. As duas escolas estão
arrecadando e doando comida a famílias mais necessitadas.
Logo
que as aulas foram suspensas, muitas unidades se engajaram em redes de
solidariedade como Grajaú Faz Assim, que identifica e ajuda moradores com
cestas básicas. “Com o isolamento social, a situação se agravou, pois os
comércios e serviços fechados implicaram na renda dessas famílias”, observa
Marcelo Sena, que é professor no CEU EMEF Três Lagos e assistente de direção na
EMEF João da Silva, ambas no Grajaú.
Marcelo
Costa Sena: aulas em casa; gestão escolar presencial
Segundo passo:
informação para educação
Cada lugar é diferente do outro.
Mesmo com a fome de alimentos resolvida, há a escassez de informação para
lidar. Por isso, trabalhadores da educação questionam o padrão imposto e tentam
se adaptar.
Na EMEF João da Silva, a equipe
gestora se reveza para atender o público. “Os pais ou responsáveis pelas
crianças ligam e pedem ajuda em diversas questões, continuam perguntando quando
terminará tudo isso. E, na medida do possível, informamos sobre seus direitos e
também que permaneçam firmes nas suas residências”, diz Marcelo, que trabalha
com o Ministério Público em questões como maior agilidade do pagamento do
auxílio emergencial, por exemplo.
Priscila: readequação da rotina
Professora do 3º ano em uma escola
estadual na Ilha do Bororé (Extremo Sul de São Paulo), Priscila Rocha Siriano
encontra dificuldades dessa readequadação. “O trabalho com o uso de ferramentas
tecnológicas é novo para toda a comunidade escolar. A Secretaria Estadual de
Educação tem tentado nos respaldar, porém a desigualdade social ainda é um
fator preocupante no princípio de equidade”, complementa.
Nas reuniões, educadores lançam mão
de vários aplicativos de teleconferência: zoom, hangout, skype, meet. A mudança
foi brusca: além de tirar dúvidas, organizar distribuição de alimentos, as
equipes escolares tiveram 10 dias para se adaptar à nova realidade. Porém, a
falta de um CEP ou endereço atualizado deixou muitos alunos sem receber as
apostilas em casa. A qualidade e o acesso à internet em determinados pontos
também prejudicam o aprendizado.
Entre os alunos da Educação de Jovens
e Adultos (EJA), o CEU Três Lagos criou um grupo de whatsapp e outro no
facebook, mais familiares entre os usuários.
“Cada professor está oferecendo o que
pode. Como sempre fizemos, estamos usando nossa internet para preparar os
materiais pedagógicos e tentar alcançar a maioria dos nossos educandos”, aponta
Claudemir, que apesar de esperar o teletrabalho desde o início da pandemia
critica a precaridade da comunicação governamental e dos materiais que não dão
conta das demandas.
Apesar de esperar um dia que todos os
alunos possam utilizar essas ferramentas tecnologias para aprender, “não é
possível que em meio a uma pandemia sejamos cobaias de uma política educacional
que poderá destruir ainda mais a escola pública já sucateada e abandonada pelos
governos”, diz ele, que é representante sindical na Apeoesp e no Sinpeem
(sindicatos que representam trabalhadores da educação nas redes estadual e
municipal).
Para Marcelo, há uma oportunidade
aberta de adoção das novas tecnologias digitais no ambiente escolar e
possibilitar mudanças no pós-pandemia, inclusive na conturbada relação
aluno-professor., conta. Ainda assim, Marcelo nota que isso também pode ser uma
possibilidade para governantes atacarem o ensino público, com redução de
jornadas e salários dos servidores. “A escola não é um prédio ou instituição
sem uma função social qualquer. Lidamos com vidas todos os dias, e pela vida
lutamos!”, encerra.
Com um blog e
realizando transmissões ao vivo em sua página no facebook, o coletivo Territorialidades não é
contrário à interação das escolas com suas comunidades, nem alheio à
necessidade de uma alternativa pedagógica, desde que seja pautada na realidade.
O grupo defende, por exemplo, o
descongelamento de verbas para contratar agentes culturais das quebradas para
fomentar a economia solidária, humanizar o currículo por meio da arte e
amenizar o sofrimento mental ao qual a população está submetida.
Para o coletivo, que se manifestou em
uma carta aberta ainda sem resposta enviada à Secretaria Municipal de Educação,
“não se considerou o que os educadores, as famílias, crianças, bebês e
estudantes pensam e sentem a respeito do ensino formal a distância nesse
momento de caos, de grandes fragilidades e perdas familiares e agudização das
desigualdades socioeconômicas”.
“O objetivo é ocupar a cidade na luta
pela democratização do conhecimento, pela efetivação e ampliação de direitos
nos diferentes territórios educativos”, completa o Territorialidades.
Esse conteúdo faz parte da #SalveCriadores, uma iniciativa que
a partir do apoio a coletivos e criadores de conteúdo das periferias de São
Paulo vai trazer reflexões e dados sobre a crise da COVID-19 e seus reflexos
nas populações negras e periféricas. O projeto, desenvolvido pela Purpose,
busca reforçar o importante trabalho que vem sendo feito por criadores de
conteúdo e trazer pontos de vista e perspectivas que ainda não foram
levantados. Os coletivos que fazem parte dessa iniciativa são o Alma Preta, o
Nós, Mulheres da Periferia, a Periferia em Movimento e a Rádio Cantareira. Os
conteúdos serão publicados nos canais de cada coletivo e divulgados nas redes
sociais do Cidade dos Sonhos.
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